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Enel e Capitale: o futuro do setor energético é colaborativo

O monopólio de conglomerados em diversos segmentos deverá ceder lugar a cadeias de negócios baseadas em parcerias com startups

Recém-chegado ao Brasil, o italiano Nicola Cotugno assumiu o comando da operação nacional da Enel no final de 2018. Inovar em uma concessionária de porte global pode ser tão desafiador quanto ganhar espaço em um setor dominado por gigantes. É o caso da Capitale Energia, comercializadora de energia liderada por Daniel Rossi. A convite de Época NEGÓCIOS, Nicola e Daniel se encontraram para discutir os novos rumos do mercado energético. Fãs de Fórmula E, eles falaram sobre novas fontes de geração de energiasustentabilidade e as possibilidades abertas pela colaboração entre corporações e startups. No final deste texto, a conversa está disponível em forma de áudio.

Daniel Rossi: Temos que conseguir resolver os problemas estruturais de tributação e financiamento. É claro que, quando falamos de Brasil, temos a questão da viabilidade econômica dos projetos. Então como nós conseguimos fazer um projeto ter viabilidade econômica? Que tipo de solução a gente precisa para ter segurança em contratos de longo prazo? Temos alguns problemas para trabalhar. Do nosso lado, temos procurado sair da briga pela commodity. Estamos buscando um caminho um pouco diferente, no qual a gente consiga adotar novas tecnologias em prol de uma solução que hoje não é viável.

Época NEGÓCIOS: O Brasil possui a terceira maior capacidade de geração de energia do mundo. No entanto, um estudo da Agência Internacional de Energia aponta que deveremos perder duas posições até 2023. O que precisa ser feito para não perdermos esse protagonismo?

Nicola Cotugno: Eu valorizo muito o potencial que o país tem nas fontes renováveis. Todos os leilões e muitos dos contratos do mercado livre estão cheios de projetos desse tipo. Além disso, o potencial hidrelétrico, que hoje é muito grande, não vai permitir um crescimento tão rápido e importante no futuro. O mundo da energia renovável possibilita manter o ritmo correto: a oferta costuma subir no tempo correto para cobrir o aumento da demanda.

Daniel: Começamos o nosso trabalho focados na geração distribuída e ao longo do tempo fomos percebendo inúmeras oportunidades para atuar nesse segmento. Mas, quando disputamos com empresas que têm mais capital e escala, não temos a mesma competitividade. Somos parceiros de negócios, mas também somos competidores em algumas situações. Quando percebemos que não tínhamos como competir com a Enel com painéis e parques fotovoltaicos, por exemplo, decidimos descentralizar. A minha pergunta é: você acredita que, no Brasil, o caminho da geração distribuída e o caminho da descentralização da produção são realmente viáveis?

Nicola: Acho que as duas coisas vão acontecer. O Brasil ainda precisa subir o volume de geração. E boa parte dessa demanda vai se cobrir com projetos centralizados. Mas, como no resto do mundo, a geração distribuída vai entrar. O primeiro passo, como você comentou, se complica pelo financiamento. O Chile, por exemplo, tem um potencial solar incrível e está movendo a passos lentos. É preciso desenvolver a regulação. Os bancos e os agentes financeiros têm que entrar com o olhar que esse é um negócio importante para eles e para os cidadãos.

Daniel: Acredito que nós estamos vivendo uma mudança grande em duas vertentes. Uma delas é o mercado financeiro, com mais disposição para financiar o Brasil que ficou parado nos últimos anos. A outra é composta pelas novas fontes de energia, que estão sendo viabilizadas em um novo ambiente de consumo. A Enel hoje é uma referência em energia renovável. Vocês estão apostando em algum outro tipo de fonte específica? Alguma inovação?

Nicola: Estamos trabalhando com universidades e startups que entregam novas ideias para nós. Além da geração solar e eólica, o armazenamento de energia é um componente importante para a sustentabilidade da geração renovável. Também estamos trabalhando muito na mobilidade elétrica.

Daniel: Sobre a mobilidade elétrica, você consegue enxergar um modelo econômico para carga de veículos?

Nicola: Trabalhei muito neste tema quando era country manager no Chile. O país não tem nenhum mecanismo de incentivo. Então começamos a trabalhar com um pequeno piloto de mobilidade pública: um ônibus gratuito que traçava uma rota até o centro da cidade. Depois colocamos em marcha dois veículos de rota comercial, ao lado dos ônibus a diesel. No final do ano passado, já colocamos a primeira frota de 100 ônibus elétricos na cidade de Santiago. As pessoas pagam mais pelo bilhete por que enxergam valor no serviço. O projeto foi resultado de uma parceria com um fabricante e uma operadora de ônibus. Eu confio muito na capacidade que podemos ter de criar projetos emblemáticos com outras empresas, como a Capitale. Como você vê a evolução da parceria entre grandes corporações e novas empresas?

Daniel: Se a gente somar os esforços, acho que teremos soluções mais completas. Gastamos alguns anos desenvolvendo algumas soluções que se tornaram economicamente viáveis – não só para o investidor, mas também para quem adquire a energia. Estar ao lado de empresas de grande porte ajuda a atingir o ponto ideal da operação. O mercado financeiro tem muita concorrência. No setor elétrico, acredito muito na colaboração. O setor elétrico é colaborativo por natureza.

Nicola Cotugno: Sim, tem uma complexidade que precisa dessa cooperação. As parcerias são a base para ir mais rápido nesse mundo – e a custos menores. A soma dos talentos e a capacidade específica de cada empresa gera soluções mais eficientes e rápidas. A visão de um player que é único, que mata os competidores, é ultrapassada e ridícula. Você falou um pouco sobre sustentabilidade, que é algo que valorizamos muito na Enel. Acha que o mercado brasileiro está valorizando essa vertente?

Daniel: Quando nossos clientes começam a entender o tipo de solução que a gente consegue agregar, eles já não fazem mais tanta conta para descobrir se vão pagar mais caro ou mais barato por ela. Eles querem entender como a solução se encaixa no orçamento dele e podem escolher a alternativa mais cara se tiverem a certeza de que o projeto apoia uma causa econômica, social ou ambiental.

Nicola: Estou contente em ver que você tem a mesma percepção que nós. Acho que o mundo da energia, em geral, nunca foi tão importante como hoje. Agora temos uma responsabilidade – não só uma oportunidade – de melhorar a qualidade de vida das pessoas. Não estamos falamos de um futuro distante, de uma ideia…

Daniel: Está acontecendo.

Nicola: Estamos marcando passos todos os dias.

Daniel: Você é a favor da abertura total do mercado livre?

Nicola: Somos a favor. Obviamente, compromissos de contrato precisam ser respeitados. Mas pensamos que é uma direção onde já chegamos em quase todos os países que operamos. Estamos prontos a acompanhar essa mudança. O cliente quer exercer sua possibilidade de decidir. Para isso precisamos de uma infraestrutura que possa dar a ele essa possibilidade.

Daniel: Você está no Brasil desde outubro de 2018, certo? Está ambientado com a gestão de uma companhia desse tamanho? Ainda mais agora com a aquisição da Eletropaulo [realizada em junho do ano passado, por R$ 5,5 bilhões]?

Nicola: É um grande desafio, um grande privilégio e uma grande responsabilidade. Vejo no Brasil um movimento muito rápido do nosso mercado. Também estamos passando por uma mudança de governo, com muitas coisas acontecendo ao mesmo tempo. Mas sou muito positivo em relação a isso. Vejo um país bem encaminhado e interessado em implementar toda essa inovação do mundo energético com gana e vontade.

Daniel: A Enel atua em diversas frentes de negócios. Como você consegue administrar cabeças e operações com visões tão distintas?

Nicola: O mundo em que vivemos favorece modelos de cooperação. Como distribuidor, vemos o cliente como um ponto de entrega de energia. Mas sabemos que ele precisa de infraestrutura acessar os serviços. Entre os mundos da comercialização, do mercado livre, do trading e dos serviços, existem diferenças sutis. Separamos os negócios para ganhar foco. Pensamos na satisfação do cliente e em como construir um valor compartilhado com ele. Dessa maneira, as áreas se alinham mais facilmente.

Daniel: Não sei se fico feliz ou assustado… Tudo o que você falou é exatamente o que estamos pensando e implementando na Capitale. Como é que vamos nos diferenciar da Enel? Eu não sei…

Cotugno: A complementariedade é uma das principais características do mercado atual. Estar alinhado à mesma visão de mundo fortalece nossos projetos. Para sermos os melhores em qualquer coisa, precisamos agregar o melhor do que os outros fazem. No final, o cliente quer apenas o melhor produto. Por isso não pensamos em construir ônibus elétricos. Preferimos estar próximos de quem fabrica e opera esses veículos para entregar um produto melhor feito a quatro mãos. Estou convencido que esses espaços de cooperação serão cada vez mais explorados.

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